terça-feira, novembro 14, 2006

MÁQUINAS DIEBOLD E FOTOGRAFIA DIGITAL: PERDA DA AUTENTICIDADE?

Dada as nossas visões de mundo um tanto quanto díspares, não são infreqüentes as discussões que travo com Diego de Navarro (cidade localizada no estreito Boliviano, ao norte da tribo tihuana). Ocorre que nem todas elas são de cunho político. Algumas, acredito, trazem alguma conseqüência. Como essa daqui que irei relatar:

Estava eu naquele software muito conhecido de conversas on-line quando li em seu nick a seguinte frase: "As urnas eletrônicas são máquinas Diebold. Procure saber mais sobre isso. Seu voto pode estar sendo roubado." Subitamente assustei-me com tal alarde.

- O que é isso, meu filho?

Eis que o Liberal dos Andes me responde que há muito já sabia da fragilidade das máquinas Diebold, desacreditada por inúmeros centros de pesquisas.
- Eu só não sabia que essas máquinas eram usadas no sistema de nossas urnas eletrônicas. Para adulterar a contagem de votos basta ter acesso ao computador. Não é necessário nem senha.
- Você está insinuando que o nosso sistema eleitoral foi fraudado?
- Não estou dizendo que foi, mas não se pode propagar que o nosso sistema é o mais seguro do mundo porque não é.
E qual o sistema é o mais seguro?
- A grande maioria dos países, incluídos aí as nações de tecnologia avançada, continua usando o papel. “Um papel perfurado para facilitar a contagem, mas, seja como for, é imprescindível que se tenha acesso ao suporte em que o eleitor votou caso ocorra alguma suspeita de fraude. Só assim a recontagem poderá ser cem por cento segura”. A idéia que alguém possa ter acesso a contagem de votos, podendo adulterá-la sem que haja um vestígio não é muito confortável.

- Isso acaba de me lembrar da fotografia digital, de como ela cria um terreno falso...
- Bobagem! – exclamou o cético Navarro, como é de praxe - A fotografia sempre emulou, sempre foi enganadora. As cores que vemos numa fotografia não passam de compostos químicos e que podem variar dependendo do tipo de filme. Um lago enorme que vemos em um retrato pode ser, na verdade, uma pequena poça, de acordo com a distância focal da lente. O terreno falso já existia.
- De certo modo é verdade o que estais dizendo. Só os ingênuos acreditam na idéia da fotografia como mimese da realidade. Até porque o parâmetro que se tem dessa realidade são o dos nossos olhos, que estão longe de assegurar uma ‘visão fiel’. Não é disso que estou falando. Há uma verdade na fotografia que não é a verdade da cópia, mas, como dizer...de um testemunho, de , uma ‘emanação’do real, como diria Barthes.

- A fotografia nada emana a menos que seja percebida por um olhar
- Há uma emanação na fotografia alheia ao ser humano, indiferente ao olhar. E isso por mais que incomode os defensores da relatividade semântica não há como negar, na fotografia, um estágio de inscrição anterior a qualquer código. Falo do traço, da marca, de uma contigência física tão verdadeira como a de uma maçã caindo de uma árvore ou de uma onda chocando-se contra o mar. O filme é uma camada sensível à luz que quando penetrada peles raios refletidos de algum objeto sofre uma inscrição. Assim a imagem fotográfica atesta a existência de um objeto tanto quanto a queimadura de uma pele atesta a existência de calor. Não digo que códigos não influam na fotografia mas isso se dá num estágio posterior. A fotografia antes de ser uma representação do homem, é uma contingência.
Por essa razão Philippe Dubois em O Ato Fotográfico afirma o caráter de índice da fotografia. Nas categorias semióticas de Pierce, índice é um signo que tem uma ligação existencial com seu referente, uma conexão física. O catavento que indica a direção do vento, o quadrante solar que marca a hora, a fumaça que assinala o fogo - todas esses são exemplos de índice. A fotografia também o é. Onde há imagem fotográfica há objeto. Demonstração que o próprio Pierce já havia exposto em seus escritos.

“As fotografias, em particular as fotografias instantâneas, são muito instrutivas porque sabemos que sob certos aspectos elas se parecem exatamente com os objetos que representam. Porém essa semelhança deve-se, na realidade, ao fato de que essas fografias foram produzidas em circunstâncias em que eram fisicamente forçadas a corresponder ponto por ponto, à natureza. Desse ponto de vista, portanto elas pertencem à segunda classe de signos(índice): os signos por conexão física” (Pierce)

Pelo fato da fotografia ser um índice é que garante a ela o valor de atestação, de testemunho de um objeto que fora por ela fotografado. Assim um retrato de um vaso de planta atesta e só pode atestar a existência em algum espaço-tempo desse mesmo vaso de planta. “Se de fato a imagem fotográfica é a impressão física de um referente único, isso quer dizer, (...) que no momento em que nos encontramos diante de uma fotografia, está só pode remeter à existência do objeto do qual procede (Dubois).”

Essa noção de índice representa uma nova maneira de encarar a realidade na fotografia, que antes era baseada no conceito de ícone, numa ingênua consideração da foto como um analogon do real. Barthes já havia salientado essa questão quando batizou a fotografia com o noema de "Isso foi": "Penso novamente na fotografia de Willian Casby, nascido escravo. O noema aqui é intenso, pois aquele que vejo foi escravo; ele certifica que a escravidão existiu, não tão longe de nós; e o certifica, não por testemunhos históricos, mas por uma nova ordem de provas". Note que Barthes não está preocupado se a fotografia representa fielmente, nos moldes euclidianos, Willian Casby. O que o chama a atenção é essa inevitablidade atestatória da fotografia. É a capacidade de a foto carregar consigo 'as provas' de um Willian Casby perdido na história, e que não poderiam ser obtidas por qualquer outra forma de representação. Só na fotografia a existência de um objeto é condição sine qua non para a formação de sua imagem. Todas as outras formas de representação podem prescindir de um objeto, por pura criação mental.






Pouco importa se a pele desse homem é mais escura ou mais clara, se sua face está representada na proporção exata. O que importa é que esse homem foi escravo.




Portanto quando disse terreno falso estava querendo contrapor a esse terreno verdadeiro da fotografia, de sua contingência atestatória. Cabe a pergunta então: será que se essa fotografia de Willian Casby vista por Barthes autentificaria a escravidão caso fosse feita em suporte digital?

Não é uma pergunta fácil de se responder por que a tecnologia digital questiona esse estatuto de ‘realidade’ da fotografia lançado por Dubois , baseada na contigüidade física do suporte. Na nova tecnologia não existe contingência, mas a virtualidade.
A conexão física do signo com o objeto fotografico cessa no momento em que um dispositivo (sensor) transforma os sinais luminosos em seqüências numéricas representativas daquela imagem. Há aí nesse instante um descolamento do espaço físico, uma ruptura da conexão física de seu indicionamento. Não se pode mais falar do “ Isso foi” de Barthes . Nada atesta que aquelas relações numéricas foram atingidas pela imagem, por que são números, puras abstrações. Esses números não me dizem nada a não ser a própria imagem. Um negativo diz mais que isso...ele diz “ali houve um objeto, fui marcada por ele” como as cicatrizes de uma esposa traumatizada que denuncia um marido violento.

É verdade que a fotografia digital conserva um instante objetivo, uma gênese automática, diria Bazin. As seqüências numéricas são representações fiéis daqueles sinais luminosos , reconstituídos matematicamente ponto por ponto. Razão pela qual poderíamos falar em alguma credibilidade da fotografia digital mas não de sua atestabilidade. Há nela por essência o desaparecimento da marca, do traço da matéria–como-prova. Portanto essa credibilidade não deixa de ser frágil pois esta apoiada em números abstratos. Somos levados, por causa de seu dispositivo automático, a acreditar na imaculação de tais seqüências numéricas mas esquecemos que estas podem ser adulteradas sem que haja vestígio desse processo.

A adulteração, ou ‘manipulação’, parece ser a regra e não a exceção da fotografia digital pois é um processo limpo e automático. Ocorre ao simples toque de um botão do computador. Ao contrário, na película a adulteração é um exercício árduo em que se tenta vencer a impressão luminosa fixada na película (Penso na foto na qual Stalin mandou tirar a imagem de Trosky na vã tentativa de tirá-lo da história). Mas seja como for - seja o processo fácil ou difícil - o fato é que na película, a manipulação pode ser desvendada. Se o ato ocorrer na passagem do negativo para a cópia, basta comparar com o negativo, que é a origem, a prova da imagem fotográfia. Se a adulteração for no negativo há sempre algum meio de encontrar 'pistas', vestígios deixado pelo 'infrator' . Mas a ação investigatória é impotente diante de números virtuais. Estes são recalculados ad infinutum, redesenhando a imagem, recriando uma nova iconografia, negando aquilo que alguma vez foi um puro registro da vida. As fotografias digitais são "quimeras." Não revelam "o isso foi"de Barthes, mas nos transportam para o "isso imaginário".






Essa casa, aquelas pessoas e o balanço não existem e que por isso são eternos.




As fotos digitais são tão autênticas quanto o voto do eleitor das máquinas Diebold, ou como uma assinatura digital - em todas elas estamos diante de um algo fora do espaço-tempo, que se camufla como se estivesse dentro. Desejamos tocar nas imagens do computador (parecem tão palpáveis!) mas são como aquelas nuvens que se afastam a medida que nos aproximemos deixando-nos desolado na impossiblidade de um contato. Eis portanto o simulacro - aquilo que parece mas não é; ou, ainda, a utopia - lugar que não existe.




Fotos (em ordem):
Willian Casby, nascido escravo - R. Avedon,
wheee! - Rebekka Guðleifsdóttir
Anônimo




segunda-feira, novembro 06, 2006

O IMPÉRIO DA LEI

“ A condenação (de morte a Saddam Husseim) é um marco no esforço para substituir o domínio de um tirano pelo império da lei”
George W. Bush

Em 1980 os EUA aliaram-se ao Iraque de Saddam Hussein contra o Irã. Na época o país ianque parecia não se importar muito com os crimes hediondos do ditador impingidos contra a população iraquiana. Pareciam-lhe mais grave o poder de um governo teocrático e xenófabo numa região que concentra 50% de jazidas de petróleo de todo o mundo.

Na década seguinte os EUA se voltam contra seu antigo aliado. Após a invasão iraquiana no Kuwait por este ter quebrado o acordo da Opep e vendido petróleo mais barato, George Bush pai e aliados saem em defesa do país mais fraco. Após uma década é a vez de Bushinho dizer ao mundo que pretende derrotar um governo tirânico, opressor e que esconde armas biológicas perigosas a segurança mundial. Em pouco mais de um ano, o Iraque é destruído e em abril de 2004 o governo de Hussein é deposto.

No processo de reconstrução do Iraque entra um governo de transição supervisionado e protegido pelos EUA sendo que a maior parte dos contratos dessa reconstrução foi obtida por empresas americanas. A política do petróleo com o novo governo continua um mistério. Como ficará a posição do Iraque na Opep e se ela irá furar os acordos estabelecidos pela organização, seguindo o exemplo do Kuwait, são perguntas que se tornam secundárias diante do ato heróico de um John Wayne que com sua arma em punho ensinou aos bárbaros os verdadeiros ideais de liberdade e justiça.

Neste domingo, dia 5 de novembro, o ditador sanguinário Hussein é condenado. Motivo: crime contra a humanidade. Sentença: pena de morte por enforcamento. É o império da lei.


segunda-feira, outubro 23, 2006

6 BONS FILMES REACIONÁRIOS


1. Rastros de Ódio (The Searchers, 1956)
2. O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1915)
3. O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935)
4. Por que Combatemos ("Why We Fight", 1942/1945)
5. Herói (Ying Xiong, 2002)
6. O Preço de um Resgate (Ransom, 1996)


6 BONS FILMES SUBVERSIVOS


1. O Fantasma da Liberdade (Le Fantôme de la Libertê, 1974)
2. Voar é com os Pássaros (Brewster McCloud, 1970)
3. A Idade do Ouro (L'Âge d'or, 1930)
4. Sem Destino (Easy Rider, 1972)
5. If...(If..., 1968)
6. Clube da Luta (Fight Club, 1999)

segunda-feira, outubro 02, 2006

OS ÉTICOS x OS POBRES



Ontem à noite, após a confirmação do segundo turno pra eleição presidencial, ouvi de um comentarista político da Band de voz rouca e pálida,o seguinte raciocínio: "O Lula ganhou no norte e nordeste enquanto Alckmin venceu no sul, sudeste e centro-oeste; o que nos leva a concluir que no norte e nordeste há uma espécie de frouxidão moral, enquanto nos estados onde há um nível educacional melhor, a população rejeitou o candidato Lula"
Hoje leio no globo que o vice-presidente José Alencar foi hostilizado em um bairro nobre (Mangabeiras) de Belo - Horizonte. "Amigo de ladrão também é ladrão" - bradou a vizinhança. No mesmo jornal está escrito que Mercadante, após sair de sua zona eleitoral, foi abordado por grupo denominado "Rir pra não chorar", que o chamou de “mensaleiro” além de tê-lo mandado olhar “os dólares na cueca”. O interessante é que a reportagem prossegue dizendo que o candidato petista seguiu para a favela de Heliopólis onde comeu um sanduíche de picanha com queijo e, aparentemente, foi isentado de ofensas neste local, supondo que a reportagem nada menciona nesse sentido. "Terá sido um indício de "frouxidão moral" entre os favelados?" - poderia ter pensado o rouco comentarista da Band
Em todo o país há um claro acirramento da divisão entre eleitores de alta e baixa renda, sem precedente na história política brasileira. Pela primeira vez o eleitorado pobre não vota com a elite. É claro que essa polarização não surgiu de repente. No entanto é um processo que ficou mais visível nessa eleição. Se décadas atrás havia uma polarização do eleitorado, essa era de raiz ideológica, definida entre esquerda e direita, não pelo poder aquisitivo. Hoje já não se pode falar dessa divisão já que grande parte da intelectualidade de esquerda abandonou Lula, preferindo candidatos que ainda resguardam uma pureza moral de uma HH ou do Cristóvão Buarque. Além disso grande parte do eleitoral de Lula não tem qualquer convicção ideológica. A divisão do eleitorado agora é outra, é sobretudo pela renda. Daí Lula ter tido predonderância em estados mais pobres e Alckimn nos mais ricos.

O comentarista da Band foi arguto o suficiente para enxergar esse quadro, pena que não quis aprofundar a questão preferindo um raciocínio fácil ao relacionar moral com classe ou região brasileira.
Esse comentário é um exemplo de tantos outros que mostram como a elite usou de um discurso moralista para condenar o voto da plebe, em vez de abrir os olhos para a grande demanda por políticas descentralizadores e populares. A Veja, por exemplo, adora apontar que a população pobre foi “comprada” por projetos assistencialistas do Lula. Como explicar então o caso de Roraima único estado do norte e nordeste do Brasil em que o Alckmin ganhou de Lula? Por acaso lá não há bolsa-família? Por acaso Roraima representa um eldorado onde floresce pessoas bem escolarizadas e bem informadas que rejeitam o assistencialismo e o clientelismo na política? Como explicar o caso do Rio de janeiro e de Belo horizonte? Há poucas pessoas bem informadas nesses estados?

A elite quer explicar esse distanciamento da massa ‘ignara’ de seu candidato pelo víeis da manipulação eleitoral, mesmo viés que servia para explicar o voto no passado, quando é justo o contrário. À medida em que a população vai saindo da condição de massa de manobra, pelo próprio processo de amadurecimento da democracia, é natural que ela passe a exigir políticas que beneficiem elas próprias. Se denúncias de corrupção são menos importantes do que essas políticas, se há esse peso, é justamente por culpa do próprio projeto concentracionista secular da elite, que cavou essa demanda. Não por acaso países de história parecida a nossa como Venezuela, Peru, Bolívia e México (esse ultimo ganho pelo candidato da elite em uma disputa apertadíssima e polêmica) vem apresentando esse mesmo quadro, que por vezes, descamba para uma radicalização.


Foto: Antônio Carlos Magalhães, às 22h, no gabinete do governador e seu candidato, Paulo Souto, recebe os números da derrota para Jacques Wagner. Fotográfo: Luciano da Matta/A Tarde. Fonte: Terra, 2/10/2006.

sábado, junho 17, 2006

UM CONTO.

Guardou um papel, desses de guardanapo, no bolso da camisa. Aos poucos o som que vinha da porta ia tornando inútil o esforço de rabiscar notas para Beatriz
- Hei, por favor. Aqui é J. Guimarães. Sou advogado do Senhor Almeida.
Guimarães batia na porta enquanto o jovem franzino continuava inerte em sua poltrona.
- Por favor, abra. Meu amigo, isso não vai adiantar.
O Jovem, então, se levanta. Barulho de zinco. J. Guimarães e seu assessor, Carlos Estevão, entram.
- Oi boa tarde. Sua mãe está aí?
- Não. Saiu.
- É por que vim entregar esse mandato de despejo. Vocês terão que sair em 72 horas. Lamentamos.
- Pode colocar ali na bancada, por favor. Vocês aceitam um copo d’água?
- Se não tiver envenenado vou aceitar.
Estevão olhou Guimarães com ar de reprovação.
O jovem trouxe os dois copos d´agua.
- Desculpe a brincadeira, amigo
Guimarães, sem graça, bebeu sua água e fitou um boneco de um time que se animava a base de pilha, imune à atmosfera da cena. Não tardou a olhar o quadro do time de futebol de seu colégio.
- Hei, acho que eu te conheço?
- Do Maristela não é? – respondeu o jovem franzino
- Caramba! Você era da minha turma. Que insensibilidade a minha? É Gustav...
- Gabriel.
- Ah!, sim. Como pude me esquecer? Aliás sou péssimo pra nomes...Mas como está cara,, como andam as coisas?
- Bem....pelo menos nas próximas 72 horas;
- haha.. – Guimarães ri e depois silencia – bom , acho que já vamos. Preciso que você assine aqui. Valeu, Gabriel. A gente se fala por aí
- A gente se fala. Quem sabe quando eu receber um mandato de prisão – assina a carta.
- bom humor. Isso é importante. Cara, você vai sair dessa. Abraços
- Até logo - disse Estevão.
Descem a escada,
- Você, às vezes, faz coisas que envergonhariam seu pai. Não se pode desdenhar de quem está sendo despejado
- Desdenhar? Qualé, Estevão, ele era meu chapa do colégio, eu tava é quebrando gelo, descontraindo. Saca?..Ih sai com esse papo. Se você é tão sensível assim por que não dá uma casa pra ele.

Saem pela portaria. Gabriel, três andares a cima, capta-os com sua Pratika, enconchado na janela. Pensa na besteira que fizera. Alguém poderia imaginar que estivesse mal-intencionado. Vai até a poltrona. Acende o cigarro. Como é possível chegar a este ponto, perguntava-se. Não gostava de palavrões, mas em silêncio xingou o Rio de Janeiro e Beatriz. Lembrou delicadamente, como uma criança que conserta um brinquedo, de sua convivência com a turma do Maristela. Guimarães não lhe era muito próximo. Havia outros amigos melhores, como Bernardino e Fabiano. Mas estes se perderam no tempo. De Bernardino não tivera mais notícia. Soube apenas que Fabiano casou-se e mora em Belo Horizonte e que optou por não ter filhos.
Suas memórias aos poucos iam se diluindo com o barulho do ventilador que esforçava-se para tirar o cheiro de mofo e da fumaça do ar. O jornal abanava sua orelha, presa sobre o boneco de pilha. Tudo lhe era tão inútil. Deixou um bilhete em cima do mandato de despejo: “fui na esquina comprar cigarro, bjs”.

Escrito por Bernardo Simbalista e Fábio Terre

segunda-feira, abril 24, 2006

MÃE LOIRA 2008

A câmera dos vereadores da cidade do Rio de Janeiro em um curto espaço de tempo conseguiu aprovar tanto a lei que proibe testes científicos em camundongos como também a entrega da Medalha Pedro Ernesto para Roberto Jefferson. Quanto empenho por parte dos membros da câmera em favor de seus semelhentes!

quinta-feira, março 02, 2006

SOBRE O CARNAVAL QUE PASSOU




É corrente a tese de que o carnaval é uma festa onde ricos e pobres, familas e prostitutas, bandidos e mocinhos se divertem juntos mas em nenhum evento isso é tão verdadeiro como os blocos de rua. Ao contrário do trio elétrico baiano, em que o apartheid social é cada vez mais denunciado pela rede Band de TV, ou dos desfiles das escolas de samba que há muito assumiram o papel de cartão-postal-pra-inglês-vê, nos blocos de rua o que vale é a esponteidade do povo, sem barreiras socias ou econômicas. Neles não há cordão de isolamento nem crachá. Qualquer um pode chegar, sambar e fantasiar-se como bem entender.
É verdade que muitas vezes paga-se um preço por isso, como a falta de organização e de segurança. O desafio está em aliar a esponteneidade popular à convivência pacífica que é aliás um desafio comum à toda a democracia. O poder público, concretizado em suas instituições (ao contrário do que pensam algumas cabecinhas ingênuas ou maldosas que se dizem libertárias) deve contribuir para se chegar nesse equilíbrio. Ponto para a prefeitura carioca que colocou mictórios públicos e guardinhas para organizar o trânsito. O povo alegre, pulou e cantou pelas ruas do rio, ainda que fosse uma alegria êfemera, própria do carnaval. Que venha o próximo.



FOTO: Bloco da Ansiedade, Laranjeiras. 28/02/2006

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

"PLASMA ou LCD?"

Foi essa pergunta à altura dos grandes dilemas da humanidade que a revista 'Veja' estampou essa semana sua capa. Seria absolutamente normal, se se tratasse de uma revista de tecnologia ou se pelo menos, sendo uma revista de variedades que é, tivesse publicado um histórico de reportagens do tipo (excetuando os especiais de fim de ano, pagos pelos seus anunciantes). Mas não é o caso.

Não sei o nome exatamente, mas existe uma doença psíquica que consiste numa fuga da realidade do indivíduo, na qual este impossibilitado de encarar a realidade, cria fantasias para que consiga suportá-la. A realidade dura para os jornalistas é a súbida de Lula nas pesquisas. Tão dura para eles, que estes fecham os olhos, tapam os ouvidos e repetem consigo mesmo, num soar repetitivo: " Plasma ou LCD?", plasma ou LCD?, "plasma ou LCD?"; Estou sendo equivocado em minha análise? então vejamos:


1) De maio de 2005 até janeiro deste ano, a tônica das capas de Veja capas foi o tema da corrupção no PT. A figura de Lula ganhou destaque nessa relação: Tem conserto?", 22"/06 (Desenho de Lula em pedra rachada). Ele sabia?"13/07; "Lulla", 10/8 (referência aos dois 'eles' do Collor); "Será que Lula escapa do impeachment?" 17/08.

2) O fim do partido PT também foi anunciado em primeira mão por Veja: "Era vidro e se quebrou"(referência a estrela do PT"), 21/09; "Os dólares de Cuba para o PT", 02/11; 28/12 "retrospectiva (capa de uma estrela vermelha quebrada caindo)

3) Fevereiro de 2006. Lula sobe nas pesquisas ibope e datafolha. 'Veja' coloca como capa "A Verdade sobre dieta e saúde". E por fim na última semana, sinalizando para um agravamento da doença "Plasma ou LCD? Como decidir."


É curioso esse quadro em um veículo que tem por profissão relatar a realidade. Não sei qual remédio seria indicado para esse caso. Um psiquiatra ou psicólogo certamente saberá melhor do que eu. O que sei é que esse quadro ja foi visto no Brasil, e os métodos corretivos usados na época não foram nada convencionais. Em vez de remediarem a cabeça o que remediaram foi a realidade. A pílula usada foi tanques de guerra que invadiram o palácio do Presidente. Isso foi mais ou menos há quarenta anos.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

DE QUEM É O TOTALITARISMO?

É verdade que a contra-crítica do secretário de Cultura Sergio Sá Leitão (devolvendo a pecha de totalitarista a Ferreira Gullar ao afirmar que o poeta era simpatizante do stalinismo) foi de mau tom. Faltou malícia política para um secretario de governo, como aliás já havia faltado a figura do presidente no episódio Larry Rother. Mas isso em nada ofusca a atitude vergonhosa das viúvas da Embrafilme, que mais uma vez mostraram seu senso de oportunismo, ao articular um abaixo assinado pedindo a cabeça do secretário. Como num enredo de novela mexicana made in Brasil a compaixão de Luis Carlos Barreto, Zelito Vianna e Cia pelo poeta Gullar pesou mais do que o nobre espírito democrático de disputar um edital em pé de igualdade com as demais produtoras de cinema.

Roberto Farias diz que vê exagero na reposta de Sergio Sá Ferreia mas não vê exageros na decisão de seus colegas de pedirem a cabeça do secretário. Poderia até parecer normal (em se tratando dese Brasil, claro) esse pedido de demissão se Caetano Veloso não tivesse se apressado em esclarecer para o leitor os interesses que há em jogo. Diz o intelectual, revelando uma curiosa noção de gestão da coisa pública, que “não é admissível que Cacá Diegues precise se explicar para conseguir produzir filmes com freqüência”. Na cabeça do compositor, Diegues por ser uma espécie de Bergman brasileiro , deveria ser um suserano do nosso imposto, sendo demagógica a exigência de ter que se sujeitar às exaustivas etapas de seleção do edital como se fosse os demais. Ora, seguindo o raciocínio do compositor um concurso público para juiz não deveria abarcar os renomados juristas, porque estes como tais figuras proeminentes já teriam direito a uma cadeira cativa. Mas a cadeira, meu caro baiano, segue a constituição e portanto é impessoal, colocada como direito a todos.

A cada dia que passa fico mais constrangido ao ver a elite brasileira debater-se diante da democracia. Talvez acreditassem que o que liam sobre a Revolução Francesa não passasse de requisitos ginasiais. eih, acordem. Aquilo que leram de fato aconteceu. E foi há mais de dois séculos

quarta-feira, janeiro 04, 2006

NOTA EXPLICATIVA (ou será o contrário?) E PROMESSAS

Hesitei alguns segundos mas pressionado pela ação do tempo (cujo andar não cessa jamais) disse, meio constrangido o título ao Diego Navarro para que este pudesse enfim completar a inscrição no blogger.com. Assim surgiu “Invenção e Fuga”, um blogue com um nome meio pretensioso decerto, mas que me pareceu ali naquele momento algo que iria de encontro a um antigo desejo nascido em conversas à distância com meu primo Clóvis da Gama: a criação de um site em que pudéssemos escrever livremente sobre estética e filosofia. Portanto, o nome de certa forma caía bem já que em duas palavras definia-se a própria essência e motivação da arte.

Ocorre que o blogue nasceu em meio ao referendo das armas e senti a necessidade (Há momentos que não podemos nos dar o luxo de contemplar vernissages) de colocar pra fora tudo aquilo que pensava , tudo aquilo que não encontrava na imprensa , mesmo quando os artigos eram favoráveis a minha posição. Não havia uma voz sequer que me aliviasse e que eu pudesse dizer “enfim, esse cara disse o que queria dizer!”. Não, a minha verdade continuava muda, e então, surge a oportunidade de criar um blogue através da sugestão de meu amigo Navarro... (tenho que organizar melhor minhas idéias senão acabo voltando para o início do texto). Em decorrência disso o blogue apresentou uma nítida dissonância entre o título os dois textos iniciais de cunho político.

Mas deixando de lado essa minha explicação, que ninguém quer mesmo saber, o fato é que o referendo se foi, e com ele os textos sobre política (assunto que para mim está cada dia mais obscuro). Mas o interessante dessa história é que, tempo depois, eis que surge o primeiro texto que faz jus ao título do blogue - “Sobre Um Certo Início” - publicado pelo digníssimo Clóvis e que, para a minha grata surpresa, tece palavras sobre o meu recém-realizado filmete (meu é modo de dizer, já que um filme é sempre obra de um conjunto). Jamais poderia prever , naquelas elucubrações que tínhamos sobre escrever na grande rede, que o primeiro texto seria dedicado não ao teatro de Sófocles (especialidade clóviniana) ou ao cinema de Antonioni mas a uma humilde obra deste que vos escreve. Obrigado Clóvis pelas belas palavras dirigidas ao filme. Mesmo sabendo que o seu veredicto exposto na resenha foi fortemente influenciado pela amizade que temos (Afinal, que diferença faz? Quem não gosta de ouvir elogios?), penso que o curta o tocou de alguma forma, sobretudo por registrar uma terra pela qual nutrimos tanto carinho.

Bom, finalmente termino prometendo, como parte das promessas de começo de ano, para os meus três leitores, Navarro, Clóvis da Gama e eu mesmo (vivo insistindo pra minha namorada ser a quarta leitora ), que serei mais regular nas postagens do blogue (conto com sua sempre valorosa contribuição, Clóvis). Ah, e tentarei dormir antes das quatro da madruga também : ) Esse 2006 promete !