segunda-feira, outubro 02, 2006

OS ÉTICOS x OS POBRES



Ontem à noite, após a confirmação do segundo turno pra eleição presidencial, ouvi de um comentarista político da Band de voz rouca e pálida,o seguinte raciocínio: "O Lula ganhou no norte e nordeste enquanto Alckmin venceu no sul, sudeste e centro-oeste; o que nos leva a concluir que no norte e nordeste há uma espécie de frouxidão moral, enquanto nos estados onde há um nível educacional melhor, a população rejeitou o candidato Lula"
Hoje leio no globo que o vice-presidente José Alencar foi hostilizado em um bairro nobre (Mangabeiras) de Belo - Horizonte. "Amigo de ladrão também é ladrão" - bradou a vizinhança. No mesmo jornal está escrito que Mercadante, após sair de sua zona eleitoral, foi abordado por grupo denominado "Rir pra não chorar", que o chamou de “mensaleiro” além de tê-lo mandado olhar “os dólares na cueca”. O interessante é que a reportagem prossegue dizendo que o candidato petista seguiu para a favela de Heliopólis onde comeu um sanduíche de picanha com queijo e, aparentemente, foi isentado de ofensas neste local, supondo que a reportagem nada menciona nesse sentido. "Terá sido um indício de "frouxidão moral" entre os favelados?" - poderia ter pensado o rouco comentarista da Band
Em todo o país há um claro acirramento da divisão entre eleitores de alta e baixa renda, sem precedente na história política brasileira. Pela primeira vez o eleitorado pobre não vota com a elite. É claro que essa polarização não surgiu de repente. No entanto é um processo que ficou mais visível nessa eleição. Se décadas atrás havia uma polarização do eleitorado, essa era de raiz ideológica, definida entre esquerda e direita, não pelo poder aquisitivo. Hoje já não se pode falar dessa divisão já que grande parte da intelectualidade de esquerda abandonou Lula, preferindo candidatos que ainda resguardam uma pureza moral de uma HH ou do Cristóvão Buarque. Além disso grande parte do eleitoral de Lula não tem qualquer convicção ideológica. A divisão do eleitorado agora é outra, é sobretudo pela renda. Daí Lula ter tido predonderância em estados mais pobres e Alckimn nos mais ricos.

O comentarista da Band foi arguto o suficiente para enxergar esse quadro, pena que não quis aprofundar a questão preferindo um raciocínio fácil ao relacionar moral com classe ou região brasileira.
Esse comentário é um exemplo de tantos outros que mostram como a elite usou de um discurso moralista para condenar o voto da plebe, em vez de abrir os olhos para a grande demanda por políticas descentralizadores e populares. A Veja, por exemplo, adora apontar que a população pobre foi “comprada” por projetos assistencialistas do Lula. Como explicar então o caso de Roraima único estado do norte e nordeste do Brasil em que o Alckmin ganhou de Lula? Por acaso lá não há bolsa-família? Por acaso Roraima representa um eldorado onde floresce pessoas bem escolarizadas e bem informadas que rejeitam o assistencialismo e o clientelismo na política? Como explicar o caso do Rio de janeiro e de Belo horizonte? Há poucas pessoas bem informadas nesses estados?

A elite quer explicar esse distanciamento da massa ‘ignara’ de seu candidato pelo víeis da manipulação eleitoral, mesmo viés que servia para explicar o voto no passado, quando é justo o contrário. À medida em que a população vai saindo da condição de massa de manobra, pelo próprio processo de amadurecimento da democracia, é natural que ela passe a exigir políticas que beneficiem elas próprias. Se denúncias de corrupção são menos importantes do que essas políticas, se há esse peso, é justamente por culpa do próprio projeto concentracionista secular da elite, que cavou essa demanda. Não por acaso países de história parecida a nossa como Venezuela, Peru, Bolívia e México (esse ultimo ganho pelo candidato da elite em uma disputa apertadíssima e polêmica) vem apresentando esse mesmo quadro, que por vezes, descamba para uma radicalização.


Foto: Antônio Carlos Magalhães, às 22h, no gabinete do governador e seu candidato, Paulo Souto, recebe os números da derrota para Jacques Wagner. Fotográfo: Luciano da Matta/A Tarde. Fonte: Terra, 2/10/2006.

Um comentário:

Anônimo disse...

Se disser: -Brasil, ame-o ou deixe-o! o lema da ditadura, certamente muitos criticarão.Refletindo a respeito do texto, observa-se que este é o lema do Brasil, se não hoje, em futuro próximo, embora veladamente até aqui. A classe rica e média alta já prepara seus filhos para um futuro no exterior; a própria primeira dama, com a aquisição de cidadania estrangeira, prepara seus descendentes para deixar o Brasil. É claro q isto ocorrerá ( já está ocorrendo). As idéias estúpidas da capitalismo selvagem estão contaminando as mentes que poderiam fazer a diferença, criando meios para enfrentar a desigualdade social. Lamentavelmente perdemos todos pois ricos ou pobres, vivemos em guetos. Ao pobre não foi dada opção, não há como amar um país que tudo lhe nega, da saúde à educação e, marginalizados, não têm como sair, senão arriscando a vida em travessias ilegais. Aos ricos há a opção de deixar e há a opção de amar, trabalhando em prol de uma sociedade mais justa. Mas, se o pensamento das classes mais favorecidas é o que foi expressado pelo comunicador da Band, eu só posso dizer que os pobres são ignorantes por falta de opção e os mais favorecidos, por escolha. De alcoviteiros o Brasil está cheio - está aí o exemplo que a Band deu. Ou seja, se não gosta do Brasil do jeito que está e não tem nada pra fazer - vá procurar sua turma!!