UM CONTO.
Guardou um papel, desses de guardanapo, no bolso da camisa. Aos poucos o som que vinha da porta ia tornando inútil o esforço de rabiscar notas para Beatriz
- Hei, por favor. Aqui é J. Guimarães. Sou advogado do Senhor Almeida.
Guimarães batia na porta enquanto o jovem franzino continuava inerte em sua poltrona.
- Por favor, abra. Meu amigo, isso não vai adiantar.
O Jovem, então, se levanta. Barulho de zinco. J. Guimarães e seu assessor, Carlos Estevão, entram.
- Oi boa tarde. Sua mãe está aí?
- Não. Saiu.
- É por que vim entregar esse mandato de despejo. Vocês terão que sair em 72 horas. Lamentamos.
- Pode colocar ali na bancada, por favor. Vocês aceitam um copo d’água?
- Se não tiver envenenado vou aceitar.
Estevão olhou Guimarães com ar de reprovação.
O jovem trouxe os dois copos d´agua.
- Desculpe a brincadeira, amigo
Guimarães, sem graça, bebeu sua água e fitou um boneco de um time que se animava a base de pilha, imune à atmosfera da cena. Não tardou a olhar o quadro do time de futebol de seu colégio.
- Hei, acho que eu te conheço?
- Do Maristela não é? – respondeu o jovem franzino
- Caramba! Você era da minha turma. Que insensibilidade a minha? É Gustav...
- Gabriel.
- Ah!, sim. Como pude me esquecer? Aliás sou péssimo pra nomes...Mas como está cara,, como andam as coisas?
- Bem....pelo menos nas próximas 72 horas;
- haha.. – Guimarães ri e depois silencia – bom , acho que já vamos. Preciso que você assine aqui. Valeu, Gabriel. A gente se fala por aí
- A gente se fala. Quem sabe quando eu receber um mandato de prisão – assina a carta.
- bom humor. Isso é importante. Cara, você vai sair dessa. Abraços
- Até logo - disse Estevão.
Descem a escada,
- Você, às vezes, faz coisas que envergonhariam seu pai. Não se pode desdenhar de quem está sendo despejado
- Desdenhar? Qualé, Estevão, ele era meu chapa do colégio, eu tava é quebrando gelo, descontraindo. Saca?..Ih sai com esse papo. Se você é tão sensível assim por que não dá uma casa pra ele.
Saem pela portaria. Gabriel, três andares a cima, capta-os com sua Pratika, enconchado na janela. Pensa na besteira que fizera. Alguém poderia imaginar que estivesse mal-intencionado. Vai até a poltrona. Acende o cigarro. Como é possível chegar a este ponto, perguntava-se. Não gostava de palavrões, mas em silêncio xingou o Rio de Janeiro e Beatriz. Lembrou delicadamente, como uma criança que conserta um brinquedo, de sua convivência com a turma do Maristela. Guimarães não lhe era muito próximo. Havia outros amigos melhores, como Bernardino e Fabiano. Mas estes se perderam no tempo. De Bernardino não tivera mais notícia. Soube apenas que Fabiano casou-se e mora em Belo Horizonte e que optou por não ter filhos.
Suas memórias aos poucos iam se diluindo com o barulho do ventilador que esforçava-se para tirar o cheiro de mofo e da fumaça do ar. O jornal abanava sua orelha, presa sobre o boneco de pilha. Tudo lhe era tão inútil. Deixou um bilhete em cima do mandato de despejo: “fui na esquina comprar cigarro, bjs”.
Escrito por Bernardo Simbalista e Fábio Terre
2 comentários:
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muito bom comentário. melhor que o conto.
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