quarta-feira, maio 09, 2007


URBIS


Quando fotografei o centro do Rio de Janeiro, e lá se vão sete anos, lembro-me que ao olhar as fotos reveladas, subitamente fui tomado por um sentimento profundamente melancólico. Sentimento que não era forjado, certamente, pois o centro do Rio para mim sempre fora um lugar de efervescência, de muito barulho e correria. E eu queria expor de certa forma esse espaço incansável. Mas foi inútil. As imagens ali, estáticas, pálidas (o serviço de revelação também não tinha sido bom), sem aquele barulho ensurdecedor do trânsito, sem aquele movimento das pessoas, ficavam solitárias, tristinhas até. E também tinha aquele sol de fim de tarde que só percebemos a gravidade de seu espectro quando marcada na foto.
E hoje aquelas imagens me inquietam duplamente: tanto por essa sensação de melancolia de antes quanto por uma nostalgia. Nostalgia não daquelas pessoas (que as desconheço) ou daquele lugar que volta e meio estou por lá. Mas algo puramente meu. Não é como olhar a foto de um Rio antigo e dizer “olha que bonito, seria tão bom viver naquele tempo”. Não há nada de ‘charmoso’ nelas. A nostalgia que sinto ninguém é capaz de sentir. É um sentimento vago que transitam várias lembranças misturadas. Lembro-me daquele período, talvez, de alguns momentos daquele dia, mas sou incapaz de lembrar da atmosfera de quando bati as fotos. Sou incapaz de lembrar das pessoas, do estado de espírito delas. Elas me soam estranhas, talvez, tanto quanto outro alguém que fosse olhar aquelas fotografias pela primeira vez. A nostalgia que sinto nada tem a ver com as imagens em si.
Olho a foto daquela mulher, (continuo não lembrar daquele instante) e só o que vejo é a melancolia. Ela poderia estar numa alegria efusiva naquele momento. Talvez ela tenha abaixado a cabeça apenas num gesto repentino com intuito de ler qualquer coisa sobre as mãos. E que culpa ela tem da má iluminação do centro? Mas nada disso parece importar a foto. Como deixar de ver sua melancolia?
Bazin comparou a fotografia a uma máscara mortuária, por conter o molde do objeto fotografado, que sempre retorna. Mas que retorno é esse? A fotografia só me devolve a ‘carcaça’, não o objeto. É como um defunto, um invólucro, que é tudo aquilo que não importa. A alegria, ou talvez, o tédio, daquela mulher despareceram para sempre, impossível de retornarem. Em seu lugar vejo o invísivel. Vejo aquela melancolia ausente daquela pobre mulher que caminha solitária pelo centro do rio.
Passo os olhos nas fotos do meu passado que é como um passeio no cemitério (aqui o termo 'mortuária' ganha uma dimensão concreta). Só o que ouço é o silêncio; e naquelas pessoas, naquelas fachadas, em todas, as coisas vejo fantasmas.





A cor do sol nesses prédios me lembra de um velório,
cuja fresta de luz ilumina o caixão



A cidade guarda seres invisíveis.



Olho as pessoas, as fachadas.
Em todas as coisas vejo fantasmas.



5 comentários:

Anônimo disse...

Sim, talvez as fotos necessitem de alimento e se alimentem da vida de quem as vê. Somos nós que as vemos que damos, ou não, vida a elas, às coisas que nelas estão, às pessoas ali estampadas. Parece-me, agora, principalmente agora, nestes nossos tempos modernos, marcados pela humanização de tudo, sem espaço para qualquer outra referência que não o próprio homem, que elas se assemelham aos espelhos, muito mais do que às máscaras. Uma espécie de espelho mágico que retrata não a nossa aparência física, mas os sentimentos que carregamos no peito. Que retrata não a nossa face, mas o outro que habita em nós. Um espelho que, às vezes, contenta-se em refletir o que trazemos bem na superfície das nossas lembranças, mas que, em outras, vasculha a nossa alma até encontrar aquilo que deseja nos mostrar. A sua melancolia não se deve mesmo à foto (você já disse isso), deve-se a você. Os fantasmas que você vê nessas foto, são os mesmos que habitam o seu peito.

Anônimo disse...

De acordo com você, segundo Bazin, a fotografia seria "como um defunto, um invólucro, que é tudo aquilo que não importa", mas, se assim é, porque as pessoas continuam fotografando e gostando de fotografias? Se elas não têm importância, se elas são meras impostoras, fingindo ser aquilo que não são e nunca poderão ser, porque continuamos fotografando? É porque o embuste que elas representam abre-nos espaço para representarmos tudo aquilo que não foi, mas poderia ter sido. Vemos a antiga foto de família e lebramos não a realidade nua e crua, que, muitas vezes, é desconhecida, mas aquilo que era nosso desejo ter existido. A palavra não dita, o abraço não dado, o carinho não trocado, ou exatamente o contrário de tudo isto... O fato, a foto, já não é relevante, mas sim a construção de uma nova realidade, que se faz no pensamento e se desfaz com a áspera sensação do papel fotográfico sobre as mãos. A melancolia é o que surge pela diferença entre essas duas "realidades". Deve-se à falta de se ver no real aquilo que se deseja. É a frustração pela perda de uma realidade possível e imaginada.

Bernardo Simbalista disse...

Anônimo, são belas e verdadeiras suas palavras. Quanto aos fantasmas habitarem meu peito, não sei. Poderia lançar, em resposta a essa tentativa de me analisar, a provocação da esfinge: “decifra-me ou te devoro”...rs. Mas quero lhe dizer, não contradizendo o que disse, que tenho uma crença na fotografia como uma revelação no sentido religioso da palavra. Pode ser meio bobo isso, sem fundamento, mas acredito na capacidade dela de tornar visível o invisível de nosso mundo, naquilo que passa desapercebido e é posto à luz. Sei que não há nada de cientifico nisso, mas é uma crença que venho alimentando. Os fantasmas estão todos aí. (Não só no meu peito). Não necessariamente fazem mal ou assustam. Mas numa fotografia não se pode ignorá-los como fazemos regularmente.

Bernardo Simbalista disse...

Caeiro, interessante o que disse. Não tinha parado pra pensar no choque entre as duas realidades – a existente naquele momento e a da foto – como motivadora da melancolia. De fato, isso tem todo o sentido principalmente quando se olha a sua própria imagem ou de alguém que conheça. Mas e aquela mulher no centro? Não a conheço e não vislumbraria um abraço ou um carinho perdido. De onde vêm o tal sentimento? É essa questão que coloco. Será que só vêm de mim? Se for não tem importância o que eu disse. Fiquemos com a sua interpretação ou a do anônimo que são muito mais plausíveis.

Só uma observação que talvez possa dar margem a possíveis equívocos: Quando disse que as ‘carcaças’ não têm importância, essa parte é uma afirmação minha que provavelmente Bazin não endossaria.

Anônimo disse...

Simbalista, estive incomunicável por uns tempos... Talvez, isso aconteça novamente nos próximos dias, não sei... Nunca sabemos o dia de amanhã... Interessou-me a sua crença na fotografia e gostaria que você falasse mais sobre ela; sobre "tornar visível o invisível de nosso mundo"; sobre o sentido dessa realidade (imagino eu que você admita isso) visível e invisível. Ultimamente, tenho duvidado de qualquer sentido que venha do mundo mesmo, de qualquer sentido que a realidade possa ter em si mesma e fora de nós. Por isso, achei interessante a sua contraposição e gostaria de saber mais sobre o seu ponto de vista.