URBIS
Quando fotografei o centro do Rio de Janeiro, e lá se vão sete anos, lembro-me que ao olhar as fotos reveladas, subitamente fui tomado por um sentimento profundamente melancólico. Sentimento que não era forjado, certamente, pois o centro do Rio para mim sempre fora um lugar de efervescência, de muito barulho e correria. E eu queria expor de certa forma esse espaço incansável. Mas foi inútil. As imagens ali, estáticas, pálidas (o serviço de revelação também não tinha sido bom), sem aquele barulho ensurdecedor do trânsito, sem aquele movimento das pessoas, ficavam solitárias, tristinhas até. E também tinha aquele sol de fim de tarde que só percebemos a gravidade de seu espectro quando marcada na foto.
E hoje aquelas imagens me inquietam duplamente: tanto por essa sensação de melancolia de antes quanto por uma nostalgia. Nostalgia não daquelas pessoas (que as desconheço) ou daquele lugar que volta e meio estou por lá. Mas algo puramente meu. Não é como olhar a foto de um Rio antigo e dizer “olha que bonito, seria tão bom viver naquele tempo”. Não há nada de ‘charmoso’ nelas. A nostalgia que sinto ninguém é capaz de sentir. É um sentimento vago que transitam várias lembranças misturadas. Lembro-me daquele período, talvez, de alguns momentos daquele dia, mas sou incapaz de lembrar da atmosfera de quando bati as fotos. Sou incapaz de lembrar das pessoas, do estado de espírito delas. Elas me soam estranhas, talvez, tanto quanto outro alguém que fosse olhar aquelas fotografias pela primeira vez. A nostalgia que sinto nada tem a ver com as imagens em si.
Olho a foto daquela mulher, (continuo não lembrar daquele instante) e só o que vejo é a melancolia. Ela poderia estar numa alegria efusiva naquele momento. Talvez ela tenha abaixado a cabeça apenas num gesto repentino com intuito de ler qualquer coisa sobre as mãos. E que culpa ela tem da má iluminação do centro? Mas nada disso parece importar a foto. Como deixar de ver sua melancolia?
Bazin comparou a fotografia a uma máscara mortuária, por conter o molde do objeto fotografado, que sempre retorna. Mas que retorno é esse? A fotografia só me devolve a ‘carcaça’, não o objeto. É como um defunto, um invólucro, que é tudo aquilo que não importa. A alegria, ou talvez, o tédio, daquela mulher despareceram para sempre, impossível de retornarem. Em seu lugar vejo o invísivel. Vejo aquela melancolia ausente daquela pobre mulher que caminha solitária pelo centro do rio.
Passo os olhos nas fotos do meu passado que é como um passeio no cemitério (aqui o termo 'mortuária' ganha uma dimensão concreta). Só o que ouço é o silêncio; e naquelas pessoas, naquelas fachadas, em todas, as coisas vejo fantasmas.